Sobre o Relatório da Comissão Nacional da Verdade e Povos Indígenas

O relatório final da CNV em parte é uma vitória dos movimentos sociais, particularmente dos movimentos que puseram em discussão a questão indígena. Ele ratifica o que os movimentos indígenas e comitês locais já apontavam: os povos indígenas são as maiores vítimas da ditadura militar no Brasil e somam ao menos 8.350 mortos. E mais, o relatório reafirma que são mortos e desaparecidos políticos, pois lutavam para gerir autonomamente seus territórios. É também muito feliz a colocação de que o Estado Brasileiro deve garantir a reparação, especialmente devolvendo os territórios invadidos pela grilagem de terras.
Por outro lado, o relatório é uma radiografia fiel dos preconceitos que atravessam ditaduras, democracias e governos populares. O exemplo mais infeliz disso está na página 684 do relatório, quando se discute a guerrilha do Araguaia. Ali se lê, com todas as letras, o seguinte:
“prevaleciam na região as zonas de mata fechada e as áreas ainda inexploradas pela ocupação humana (em parte devido à presença maciça de povos indígenas na região)”. 
 
Waimiri-Atroari Desaparecidos na Ditadura

Waimiri-Atroari Desaparecidos na Ditadura

A oposição que se faz entre ocupação humana e ocupação indígena, muito comum na Academia e no Jornalismo, é a mais fiel demonstração da limitação de raciocínio que o preconceito promove nos indivíduos. Neste caso o preconceito é tamanho que a própria condição humana é negada aos indígenas de tal forma que não se reconheça de forma integral as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.
O infeliz preconceito se repete na distinção que se faz entre moradores e indígenas (na página 717 do relatório) e nas listas de desaparecidos onde não se vê os nomes dos Waimiri-Atroari, Kaiowá, Tenharim… E não é por falta de nomes, pois o comitê do Amazonas listou dezenas de nomes entre os mais de 2000 mortos do povo Waimiri-Atroari.
O relatório foi entregue, mas o Brasil ainda não fechou essa página sangrenta de sua história. É preciso que se esclareça cada uma das mortes, não podemos esquecer ninguém. A luta dos povos indígenas continua, é o legado dos que já se foram, sujeitos políticos que fizeram, fazem e continuarão fazendo histórica de luta sobre e pela terra.
Agora será preciso uma Comissão Multicultura da Verdade, pois ninguém pode ser esquecido!
Índios desfilam com homem pendurado no pau de arara durante cerimônia de formatura da Guarda Rural Indígena

Soldados da Guarda Rural Indígena desfilam com outro índio pendurado no pau de arara durante cerimônia de formatura, 1970

 

Manaus, 10 de dezembro de 2014.
Maiká Schwade.
Fonte: Urubuí

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